A Vitoria do Espirito

Era uma preta, funeral mesquita,
Abandonada aos lobos e aos leopardos

Numa floresta lúgubre e esquisita.


Engalanava-lhe as paredes frias

Uma coroa de urzes e de cardos

Coberta em pálio pelas laçarias.


Uma vez, aos lampejos derradeiros

Das irisadas vespertinas velas,

Feras rompiam tolos e balseiros.


E pelas catacumbas desprezadas,

Mochos vagavam como sentinelas,

Em atalaia às gerações passadas!


Um crepúsculo imenso, nunca visto

Tauxiava o Céu de grandes roxos

Da mesma cor da túnica de Cristo.


Fulgia em tudo uma estriação violeta

E um violáceo clarão banhava os mochos

Que em torno estavam da mesquita preta.


Já na eminência da amplidão sidérea

Como uma umbela, se desenrolava

A esteira astral da retração etérea.


Os astros mortos refulgiam vivos

E a noite, ampla e brilhante, rutilava

Lantejoulada de opalinos crivos.


Súbito alguém, o passo constrangendo,

Parou em frente da mesquita morta...

- Um vento frio começou gemendo.


Era uma viúva, e o olhar errante, a viúva,

Em passo lento, foi transpondo a porta,

Eternamente aberta ao sol e à chuva.


A Lua encheu o espaço sem limites

E, dentro, nos altares esboroados,

Foram caindo como estalactites


Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas

Um dilúvio de fósforos prateados

E uma chuva doirada de faíscas.


Fora, entretanto, por um chão de onagras

Vinha passeando corno numa viagem

Um grupo feio de panteras magras.


E havia no atro olhar dessas panteras

Essa alegria doida da carnagem

Que é a alegria única das feras.


E ardendo na impulsão das ânsias doidas

E em sevas fúrias, infernais ardendo

Todas as feras, as panteras todas


Avançam para a viúva desvalida.

E raivosas, contra ela, arremetendo,

Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.


Morria a noite. As flâmulas altivas

Do sol nascente erguiam-se vermelhas,

Como uma exposição de carnes vivas.


E iam cair em pérolas de sangue

Sobre as asas doiradas das abelhas,

E sobre o corpo da viúva exangue.


A Natureza celebrava a festa

Do astro glorioso em cantos e baladas

- O próprio Deus cantava na floresta!


Nos arvoredos rejuvenescidos,

Estrugiam canções desesperadas

De misereres e de sustenidos.


Além, entanto, na redoma clara

Que envolve a porta da região etérea,

O espírito da viúva se quedara


Ao contemplar dessa fulgente porta

E dessa clara e alva redoma aérea,

No desfilar de sua carne morta

A transitoriedade da matéria!

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